cheirando a guardado

o que fui guardando na memória do gostar ...

maio 25, 2010

O Estrangeiro



"(...) Em seguida, tudo se passou muito depressa. A audiência foi suspensa. À saída do tribunal e ao subir para o carro, reconheci durante breves instantes o cheiro e o calor das tardes de verão. Na obscuridade da minha prisão rolante, reencontrei um a um,  no fundo do meu cansaço, todos os ruídos familiares de uma cidade que eu amava e de uma certa hora em que tantas vezes me sentira contente. O pregão dos vendedores de jornais no ar já mais fresco, os últimos pássaros no largo,  o grito dos vendedores de sandwiches, o queixume dos bondes nas curvas íngremes da cidade e este rumor do céu antes da noite tombar sobre o porto, tudo isto reconstituía aos meus olhos um cego itinerário que já conhecia muito antes de entrar para a prisão. Sim, era a hora em que, há muito, muito tempo, eu me sentia contente. O que então me agradava, era sempre um sono ligeiro e sem sonhos. E no entanto alguma coisa se modificara, pois com a expectativa do dia seguinte, foi a minha cela que reencontrei enfim. Como se os caminhos familiares traçados nas noites de verão pudessem conduzir, tanto às prisões, como aos sonos inocentes.(...)"

(Albert Camus, in O Estrangeiro)

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