Ary
Da minha torre de Narciso
Ao sol, ao vento, à música, levanto
Esta voz que não tenho. A Deus imponho
A obrigação de me escutar o canto
E entender o que digo e o que sonho.
A mim me desafio. Aos outros ponho
A condição de me odiarem tanto
Que não descubram nunca o que suponho
O meu secreto e decisivo encanto.
Contra o que sou me guardo e quando oiço
Falar do que pareço, posso então
Encher o peito de desprezo e riso.
Pois só eu me conheço e só eu posso
Subir até àquela solidão
Onde me incenso, amo e realizo.
Na Mesa do Santo Ofício
Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos. Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens. Que viemos, amámos, pecámos e partimos Como a água das chuvas. Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos Do que dizem e pensam E que a nossa aventura, É no vento que passa que a ouvimos, É no nosso silêncio que perdura. Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos E que enterrámos vivo o fogo que nos queima. Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso, Que nos espreguiçaremos na fogueira. José Carlos Ary dos Santos, in Obra Poética |
Marcadores: poesia
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