cheirando a guardado

o que fui guardando na memória do gostar ...

março 21, 2012

Dia Mundial da Poesia








 Há-de Haver

Há-de haver uma cor por descobrir,
Um juntar de palavras escondido,
Há-de haver uma chave para abrir
A porta deste muro desmedido.

Há-de haver uma ilha mais ao sul,
Uma corda mais tensa e ressoante,
Outro mar que nade noutro azul,
Outra altura de voz que melhor cante.

Poesia tardia que não chegas
A dizer nem metade do que sabes:
Não calas, quando podes, nem renegas
Este corpo de acaso em que não cabes.

José Saramago, in Os Poemas Possíveis

 




Aos Poetas

Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.

Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.

E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.

Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.

Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.


Miguel Torga, in 'Odes'

Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha 
(São Martinho de Anta, 12 de Agosto de 1907 — Coimbra, 17 de Janeiro de 1995)


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março 12, 2012

A Câmara Clara




"Uma velha casa, um pórtico com sombra, telhas, uma ornamentação árabe envelhecida, um homem sentado de costas para a parede, uma rua deserta, uma árvore mediterrânea (Alhambra, de Charles Clifford): essa foto antiga (1854) me toca: simplesmente porque tenho vontade de viver . Essa vontade mergulha em mim a uma profundidade e segundo raízes que não conheço: calor do clima? Mito mediterrâneo, apolinismo? Ausência de herdeiros? Aposentadoria? Anonimarto? Nobreza? Não importa o que seja (de mim mesmo, de meus móveis, de meu fantasma), tenho vontade de viver lá, com finura - e essa finura jamais é satisfeita pela foto de turismo. Para mim as fotografias de paisagens (urbanas ou campestres) devem ser habitáveis, e não vsitáveis. Esse desejo de habitação, se o observo bem em mim mesmo, não é nem onírico (não sonho com um local extravagante) nem empírico (não procuro comprar uma casa segundo as vistas de um prospecto de agência imobiliária); ele é fantasmagórico, prende-se a uma espécie de vidência que parece levar-me adiante, para um tempo utópico, ou de me reportar para trás, para não sei onde de mim mesmo: duplo movimento que Baudelaire cantou em Convite à Viagem e Vida Anterior. Diante dessas paisagens de predileção, tudo se passa como se eu estivesse certo de aí ter estado ou de aí dever ir. Ora, Freud diz do corpo materno que ´não há outro lugar do qual possamos dizer com tanta certeza que nele já estivemos`. Tal seria, então, a essência da paisagem (escolhida pelo desejo): heimlich, despertando em mim a Mãe (de modo algum inquietante)".

(Roland Barthes, in A Câmara Clara, Ed. Nova Fronteira, 2ª ed., 1984)


Roland Gérard Barthes

 









(Cherbourg, 12 de Novembro de 1915 — Paris, 26 de Março de 1980)   




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março 08, 2012

A Máquina Fotográfica




Old School - Evelina Kremsdorf



A Máquina Fotográfica


É na câmara escura dos teus olhos
que se revela a água

água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boca nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.

Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.

Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contrastada violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.

Moras aonde eu sei.
É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a vista
trago a minha tristeza a tiracolo.

Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
                                        the sun is shining
                                                                     love.

Emendo-te  rasuro-te  preencho-te
assino-te  destino-te  comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem  o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue  o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.

Invento-te  desbravo-te  desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sendo à vogal  do tema à consoante
sem presença no espaço  sem diferença na hora.
És a rota da Índia  o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro  o erro do sextante
o acaso  a maré  o mapa a descoberta
dum novo continente itinerante.


José Carlos Ary dos Santos
Obra Poética
Lisboa, Edições Avante, 1994






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março 04, 2012

Brel









La Chanson des Vieux Amants
Jacques Brel

Bien sûr, nous eûmes des orages
Vingt ans d’amour, c’est l’amour fol
Mille fois tu pris ton bagage
Mille fois je pris mon envol
Et chaque meuble se souvient
Dans cette chambre sans berceau
Des éclats des vieilles tempêtes
Plus rien ne ressemblait à rien
Tu avais perdu le goût de l’eau
Et moi celui de la conquête

Mais mon amour

Mon doux, mon tendre, mon merveilleux amour
De l’aube claire jusqu’à la fin du jour
Je t’aime encore, tu sais, je t’aime

Moi, je sais tous tes sortilèges

Tu sais tous mes envoûtements
Tu m’as gardé de pièges en pièges
Je t’ai perdue de temps en temps
Bien sûr tu pris quelques amants
Il fallait bien passer le temps
Il faut bien que le corps exulte
Finalement, finalement
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes

Oh, mon amour

Mon doux, mon tendre, mon merveilleux amour
De l’aube claire jusqu’à la fin du jour
Je t’aime encore, tu sais, je t’aime

Et plus le temps nous fait cortège

Et plus le temps nous fait tourment
Mais n’est-ce pas le pire piège
Que vivre en paix pour des amants
Bien sûr tu pleures un peu moins tôt
Je me déchire un peu plus tard
Nous protégeons moins nos mystères
On laisse moins faire le hasard
On se méfie du fil de l’eau
Mais c’est toujours la tendre guerre

Oh, mon amour...

Mon doux, mon tendre, mon merveilleux amour
De l’aube claire jusqu’à la fin du jour
Je t’aime encore, tu sais, je t’aime.



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março 03, 2012

Os Rocks














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